Toda criança tem direito à educação. É o que diz a Constituição. Mas nem sempre essa é uma realidade comum para bairros da periferia de Salvador. E por isso, muitas vezes, não dá para ficar sentado apenas se lamentando pela falta de escolas públicas e creches.
Foi pensando assim que mulheres e mães, moradoras da região dos Alagados, na Península de Itapagipe, arregaçaram as mangas e construíram um espaço para educar suas crianças. Nascia então, em 1990, a escola Comunitária Luiza Mahin. Uma iniciativa da Associação de Moradores do Conjunto Santa Luzia, do bairro do Uruguai. Mais que um lugar de alfabetização infantil, é um exemplo de luta, resistência e transformação social.
CONHECENDO A ESCOLA LUIZA MAHIN
O nome da escola não podia de ser mais apropriado. Um exemplo de força e resistência, principalmente para mulheres negras. Luiza Mahin nasceu em Costa Mina, na África, no início do século XIX, e foi trazida para o Brasil como escrava. Quituteira de profissão, ela sempre esteve à frente das revoltas dos escravos.
“A gente pensou uma escola com história. Para ser algo dentro da luta racial e trazer nomes de negros que lutaram para podermos estar aqui. Fizemos uma assembleia para votação, com professores, alunos e a associação. E como a maioria era mulher, ficou Luiza Mahin”, conta uma das fundadoras da escola, juntamente com a Associação de Moradores do conjunto Santa Luzia, Marilene da Conceição, ou como prefere ser chamada, Lurdinha.
E foi com o espírito guerreiro de Luiza Mahin que essas mulheres, remanescentes das palafitas dos Alagados fundaram a escola da comunidade, integrando uma das ações da Associação de Moradores do Conjunto Santa Luzia, que foi criada em 1989.
A escola é formada por uma equipe de coordenação, com três pessoas, entre elas, Sônia Dias. Atendendo a 272 crianças, entre educação infantil a partir dos 3 aos 5 anos, e mais 2 anos, fazendo o 1º e o 2º ensino fundamental.
O funcionamento das atividades na escola é dois turnos, com seis turmas de manhã, e seis à tarde; a menor turmas tem 20 e a maior 25 crianças, com 6 salas. Contamos com seis professores, arte-educadores; mas também contamos com a contribuição dos jovens da Rede Reprotai (Rede de Protagonistas em Ação de Itapagipe), que oferecem oficinas com arte-educação semanalmente, além de atividades diversas com projetos temáticos, como esportes, penteados afros, culinária, entre outros.
A escola não tem mensalidade nem taxa, acontece que as mães, associadas da Associação de Moradores do Conjunto Santa Luzia, têm como benefício, elas podem usufruir, dentro das disponibilidades de vagas, entre 3 a 6 anos. A escola é um dos produtos da Associação, que tem uma taxa de manutenção.
“A gente trabalha com a pedagogia de projeto, que dura em média dois meses e anualmente selecionamos um tema para que possamos realizar interferências, junto com as crianças da escola, na comunidade. Esse tema tem que estar ligado a um de nossos princípios; que são: questões de gênero, identidade e de pertencimento local”, explica a coordenadora pedagógica, Sonia Dias.
A coordenadora Lurdinha ainda conta que um dos grandes problemas hoje das mulheres que entram no mercado de trabalho é não terem creches para deixar suas crianças. “A gente percebe que sem uma creche ou escola, a criança fica muito vulnerável e até hoje nenhum prefeito resolveu essa questão da educação infantil na cidade”.
Outra criação da Associação de Moradores do Conjunto Santa Luzia é a Biblioteca Comunitária Clementina de Jesus. Fundada em 1994 como Sala de Leitura Clementina de Jesus e depois foi ampliada. Hoje é coordenada pela pedagoga e também fundadora da escola, Solange Sousa.
EDUCAÇÃO INFANTIL, UMA NECESSIDADE
Por conta da carência de colégios e creches públicas com vagas que atendessem à demanda das crianças do Uruguai, a escola primeiramente foi criada como “escola do bairro” e depois se consolidou como escola comunitária, reconhecida legalmente.
Segundo dados da Secretaria de Educação, a rede municipal de Salvador conta com 443 escolas de educação infantil (0 a 5 anos), sendo 28 unidades distribuídas na regional da Cidade Baixa, que agrupa os bairros de Roma, Ribeira, Boa Viagem, Vila Rui Barbosa, Bonfim, Massaranduba, Calçada, Caminho de Areia e Uruguai.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº. 9394/96 reconhece a Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica e de responsabilidade do município, com a colaboração do Governo Federal e do Estado, mas, em Salvador, historicamente, as escolas privadas, incluindo comunitárias e filantrópicas acabam assumindo essa responsabilidade, como é o caso da Escola Comunitária Luiza Mahin.
Entre as principais dificuldades que enfrentam é a questão financeira por parte do estado, como relata Lurdinha: “Existe uma lei na cidade que todas as escolas comunitárias têm direito de 3% dos 25% que é destinado à educação no município. E esse dinheiro nunca paga no mês certo ou atrasa”. Segundo ela, o município deveria dar prioridade à educação infantil, já que ele não contempla os bairros com escolas e creches suficientes.
MULHERES, MÃES, EDUCADORAS E GUERREIRAS
A necessidade de ter um espaço voltado para educação infantil na comunidade era grande e então aquelas mães não mediram esforços. As “Mulheres da Laje” foi o nome do grupo que literalmente “bateu a laje” do prédio que hoje funciona a escola.
“Escola também é um lugar político, de direitos e deveres. Direitos das crianças, direitos dos trabalhadores”, é o que afirma Lurdinha, consciente da importância da construção da escola e do trabalho desenvolvido com a comunidade do Uruguai.
Remanescentes das palafitas, essas mulheres mostraram ser exemplos de luta não só pela educação, mas uma luta política e social para a comunidade. Com 20 anos de Luiza Mahin, Solange Sousa, hoje pedagoga formada, conta que a construção da escola foi um fator determinante para o nascimento de uma nova mulher. “Eu cheguei aqui com 25 anos e hoje, com 52, sou uma outra Solange, mais empoderada, com mais conhecimento, pois antes eu só tinha o Ensino Médio, e me amando muito mais”, conta estampando sorriso no rosto.
A mãe e moradora da comunidade, Nilcélia Duarte, conta satisfeita em ter sua filha de quatro anos na escola. “Eu tenho muito orgulho de minha filha estudar na Luiza Mahin. Ela gosta muito de estar aqui e percebo que escola está ensinando assuntos importantes para o aprendizado dela”.
Juntas, todas as mulheres envolvidas sabem da responsabilidade e do heroísmo tal qual foi o de Luiza Mahin. A transformação através da educação não acontece somente do portão para dentro, mas também em toda a comunidade, nas famílias e nas vidas de todos.
Como afirma Lurdinha: “São crianças que querem ser felizes, se empoderar, ter orgulho da sua raça. Cada vez que eu vejo um menino ou uma menina entrar por esse portão eu sinto um prazer, me sinto preenchida de orgulho”, conta emocionada.
A Escola Comunitária Luiza Mahin é prova viva de luta e resistência não somente através da educação, mas na cidadania. Mulheres, mães e moradores unidos em defesa da melhoria de sua comunidade e de suas crianças.
NOVA CRECHE, UMA NOVA LUTA
Atualmente a nova luta da Escola Luiza Mahin é a construção de uma creche infantil, por compreender a importância dos anos iniciais da criança. No vídeo, circulado no Facebook e grupos de Whatsapp, Sonia Dias Ribeiro faz o apelo.
Campanha por uma creche na Escola Comunitária Luiza Mahin
Um terreno baldio ao lado de uma escola e uma comunidade cheia de vontade de fazer acontecer! ❤ A Escola Comunitária Luiza Mahin quer construir um espaço de creche mais adequado para as crianças que estudam ali, além de ajudar as mulheres da região.
Todos podemos fazer parte da transformação no mundo! Faça sua colaboração:
Agência: 0697 (Banco Itaú) Conta: 42346-5
Contato: (71) 3314-2148 / luizamahin@gmail.com Associação dos Moradores do Conjunto Santa Luzia
#PraCegoVer: no vídeo, o primeiro e o segundo depoimentos são gravados dentro de uma sala de aula. As professoras estão no centro da tela e as crianças atrás. No último depoimento, Sonia Dias está em frente a uma parede grafitada.
Colabore com essa causa e ajude a construir uma educação melhor para nossas crianças!
O site FalaPreta apoia essa campanha!