Eu não me descobri negra
Quando criança, as piadas dos coleguinhas de classe
Tocando meu cabelo e fazendo “pom pom”.
Eu não me descobri negra
Quando a pró pediu para pegar o lápis de cêra “cor da pele”
Peguei o marrom, enquanto o restante da sala, o de cor “bege”
Eu não me descobri negra
Quando brincava de longos e lisos cabelos
Com toalhas de mesa ou de banho presos na cabeça
Eu não me descobri negra
Quando nunca eleita a mais bela da sala
Mas nos festivais de Feira das Nações, sempre África ou “baiana”
Eu não me descobri negra
Quando era a divertida-melhor-amiga-cupido
Mas sempre sem histórias de paqueras ou paixões vividas.
- Manda esse recado pra mim?
Eu não me descobri negra
Preterida incontáveis vezes desde a adolescência
Quando solidão nunca me foi escolha.
- Sem interesse para relacionamentos agora.
Eu não me descobri negra
Quando olhares por vezes de pena ou medo
Por vezes de machos assediadores
Dilaceravam-me por dentro
Eu?
Retinta.
Bunda grande.
Beiços grossos.
Cabelos duro…!
Nunca precisei descobrir-me negra.
Então, você, de pele clara
Admiro sua descoberta!
Respeito cada passo do seu caminho.
Mas peço que compreenda e respeite
Minha dor.
Meu joelho ralado.
Minhas mãos calejadas.
Minhas lágrimas ressequidas.
Porque nesse longo caminho: eu fui lançada!
Nunca me descobri negra!
A vida gritou-me:
NEGRA!