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Foto do escritorGislene Ramos

Eu não me descobri negra


Eu não me descobri negra

Quando criança, as piadas dos coleguinhas de classe

Tocando meu cabelo e fazendo “pom pom”.

Eu não me descobri negra

Quando a pró pediu para pegar o lápis de cêra “cor da pele”

Peguei o marrom, enquanto o restante da sala, o de cor “bege”

Eu não me descobri negra

Quando brincava de longos e lisos cabelos

Com toalhas de mesa ou de banho presos na cabeça

Eu não me descobri negra

Quando nunca eleita a mais bela da sala

Mas nos festivais de Feira das Nações, sempre África ou “baiana”

Eu não me descobri negra

Quando era a divertida-melhor-amiga-cupido

Mas sempre sem histórias de paqueras ou paixões vividas.

- Manda esse recado pra mim?

Eu não me descobri negra

Preterida incontáveis vezes desde a adolescência

Quando solidão nunca me foi escolha.

- Sem interesse para relacionamentos agora.

Eu não me descobri negra

Quando olhares por vezes de pena ou medo

Por vezes de machos assediadores

Dilaceravam-me por dentro

Eu?

Retinta.

Bunda grande.

Beiços grossos.

Cabelos duro…!

Nunca precisei descobrir-me negra.

Então, você, de pele clara

Admiro sua descoberta!

Respeito cada passo do seu caminho.

Mas peço que compreenda e respeite

Minha dor.

Meu joelho ralado.

Minhas mãos calejadas.

Minhas lágrimas ressequidas.

Porque nesse longo caminho: eu fui lançada!

Nunca me descobri negra!

A vida gritou-me:

NEGRA!

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